Onde está o respeito pela família?

No último sábado (20), após empate em 1 x 1 entre Grêmio e Internacional, pela 11ª rodada do Campeonato Brasileiro no estádio Beira Rio, em Porto Alegre (RS), um conflito entre torcedores acabou apagando o brilho do clássico e indignando tanto a quem é apreciador do futebol, quanto a quem não acompanha o esporte.

Em imagem que viralizou no final de semana, é possível ver uma torcedora do Grêmio sacudindo alegremente sua camisa do time do coração, comemorando com o filho, aparentemente de 6 ou 7 anos de idade. De repente, outra mulher, torcedora do Inter, chega correndo e puxando a camisa das mãos da torcedora rival. As duas ficam num puxa-puxa da camisa. E a criança, em desespero, também tenta segurar a camisa do seu time, visivelmente com medo de perdê-la.

A torcedora colorada, acompanhada de homens também torcedores do Inter, segue hostilizando mãe e filho e chega até mesmo a dar empurrões no peito da outra, na frente da criança. Um funcionário do estádio precisa intervir. Toma a camisa com o intuito de “preservar” a torcedora gremista até a saída e segura o menino, que corre para abraçar a mãe, aos prantos. Tudo isso porque eles estavam na arquibancada da torcida rival.

O episódio me deixou indignada e, claro me fez questionar onde está o respeito pela família, tão defendido pelo grosso da população nos últimos tempos. O que vimos nas imagens não foi apenas um conflito entre torcedores, tão grave e, ao mesmo tempo, tão banalizado nos estádios brasileiros, a ponto de requerer forte esquema de segurança nas grandes cidades.

Mais do que ânimos esquentados, o que ocorreu foi uma total falta de respeito para com uma criança, que foi obrigada a ver sua mãe agredida e sua camisa do time do coração ser tomada a força, por estranhos. O que ocorreu foi uma total falta de respeito e compreensão para com uma mãe que, sem encontrar ingressos para o setor gremista ou misto, e, certamente, louca para satisfazer a vontade do filho em ver o time jogar, acabou comprando ingressos para o setor da torcida rival.

No Brasil, é culturalmente posto que todo menino sonha em ser jogador de futebol. A maioria deles já cresce tendo seus ídolos, seu time, acompanhando as rodadas, são eles quem lotam os estádios, compõem a maioria das torcidas organizadas. O mesmo não ocorre entre as meninas. O futebol feminino somente começou a ganhar visibilidade no país após o brilho de Marta conquistar o mundo, há cerca de 10 anos, e, mais recentemente, com a Copa Feminina de Futebol sendo transmitida na televisão.

Diante disso, não é de se estranhar que a mãe do garotinho gremista não tenha avaliado o perigo que sua reação de alegria poderia causar. O time dela sequer havia ganhado a partida. Talvez aquela tenha sido a primeira experiência de mãe e filho num estádio de futebol e, provavelmente, eles tão somente estavam comemorando aquele momento, sem a intenção de provocar ninguém.

Mas isso não passou pela cabeça nem da mulher agressora e nem dos homens que também se mostraram irritados. Em entrevista à imprensa local, após a confusão ter repercussão nacional, ela disse que agiu por impulso e que queria preservar a gremista, acusando-a de incitar a violência e infringir as regras do estádio. O pior de tudo é que a colorada também é mãe. Ela ainda afirmou que, no momento da abordagem à gremista, a questionou sobre o “exemplo que estava dando para o filho”.

Ora, pois! Eu é que pergunto qual é o exemplo que esta torcedora do Inter deu para o próprio filho ao agir de forma truculenta e o que ela pensa da imagem que causou ao filho da gremista, que, deixou o estádio naquela situação humilhante e traumatizante?

É simplesmente inadmissível que, por questões de rivalidade entre times, coloquemos “panos quentes” na situação, que é vergonhosa. Alguns vão dizer que o jogo deixa os torcedores com a cabeça quente, que realmente a gremista estava no lugar errado, que ela foi quem colocou o filho em perigo. Mas onde é que fica o respeito e a razão nisso tudo? Quer dizer que por amor ao time, devo odiar quem torce para outra agremiação? Que devo partir para a agressão contra uma mulher e uma criança por causa de uma camisa? Pelo amor de Deus! O nome disso não é torcida, é selvageria.

Quando estava grávida, fui assistir Flamengo x Santos no Maracanã lotado. Claro que 95% ou mais do estádio estava tomada pelos rubros-negros. Houve momentos de provocação e a Polícia Militar e a segurança privada tiveram que intervir, Fiquei com medo. Achei desnecessário aquilo. Havia grades nos separando. Havia muita polícia na rua e, após o jogo, ainda precisamos (nós, santistas) que esperar 2 horas para deixar o estádio, tempo usado pela imensidão de flamenguistas para evacuar o espaço do estádio e o seu entorno.

Isso é normal? Na minha cabeça, não. É comum aqui no Brasil, mas não podemos achar esse clima de violência toda normal. Poxa vida, futebol é algo tão bonito. Esporte é algo que promove saúde, que nos faz liberar hormônios de alegria e prazer. Somente uma sociedade com baixo nível de educação pode transformar algo bom em ruim.

Eu sempre vejo os locutores esportivos comentando sobre a beleza que é ver as famílias se reunindo nos jogos. Não é somente bonito, é bom para os clubes, que arrecadam com bilheteria. Com mais dinheiro, mais chances do clube crescer e obter mais títulos. Mas torcedores como a colorada agressora de mãe e filho não tem a capacidade de enxergar essa cadeia produtiva.

Todos nós perdemos com isso. Os torcedores de verdade, os clubes, as famílias, a sociedade, o Estado (porque tem que arcar com os custos da segurança).

Mas eu fiquei preocupada mesmo foi com aquela mãe e seu filho gremista. Imagina o trauma que ficou. O que será preciso para reverter o sentimento ruim que ficou? E se esse menino crescer vendo mais cenas como essa e, quando crescer, também achar normal e se tornar um desses torcedores violentos? Crianças aprendem com o exemplo. Mesmo quando somos vítimas, em um segundo momento, quando nos sentimos mais fortes, também podemos ser o agressor. É triste, mas é real.

Espero que o episódio desse final de semana não tenha sido apenas o assunto do momento, mas que possamos olhar para isso e pensar e repensar de que forma estamos tratando nossas crianças e de que forma estamos apoiando relações melhores entre as famílias. Com certeza não é colocando uma camisa acima da empatia. A lei brasileira afirma que é obrigação não só dos pais e do Estado a salvaguarda das crianças e adolescentes, mas de toda a sociedade. Vamos fazer nossa parte, por favor.