Alergia alimentar: conheça a luta de mães de crianças com esse problema

Coceiras, dermatite atópica, urticária, inchaço nos olhos e na boca, vômito, diarreia, sangramento pelas fezes, falta de ar e crise aguda de asma. Se seu bebê sofre com algum ou mais desses sintomas de forma recorrente, é bom procurar um especialista pois ele pode estar com alguma alergia alimentar.

Esse é uma problema crescente em todo o mundo que, no Brasil, atinge cerca de 8% das crianças de até 2 anos de idade. Entre os adultos, a porcentagem é de 2%, conforme a Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (Asbai).  Mais de 170 alimentos são considerados potencialmente alergênicos, porém, os mais comuns são leite, ovo, soja, trigo, amendoim, castanhas, peixes e frutos do mar.

Tais informações foram divulgadas durante palestra da médica Ana Carolina Sousa Santos, especialista em alergia e imunologia, na audiência pública que ocorreu no mês passado, na Assembleia Legislativa de Mato Grosso (ALMT) sobre alergias alimentares.

A médica Ana Carolina Sousa Santos Foto: JL Siqueira/ALMT

Eu acompanhei o evento e pude perceber pelas palavras das mães de crianças alérgicas que relataram seus casos, que a vida dessas pessoas não é nada fácil. Ainda há muita falta de informação a respeito das alergias alimentares, preconceito com os pacientes, pouca variedade de alimentos apropriados no mercado e mais uma série de dificuldades.

Tudo começa ainda na fase da amamentação exclusiva, quando o bebê apresenta os sintomas relatados anteriormente, não ganha peso e a mãe entra em desespero. Para piorar, há poucos pediatras preparados para lidar com esse problema específico, em Mato Grosso. Várias mães relataram, na audiência, que sofreram tratamento ríspido e preconceituoso dos próprios médicos, algumas chegando a ser chamadas de “loucas” e acusadas de estarem inventando doença para o filho.

O resultado dessa falta de preparo são os inúmeros casos de diagnósticos incorretos, conforme a própria Lena Beatrice Tavares Maluf, gastropediatra afirmou no evento. Somente quando essas mães encontram um profissional que consegue detectar a alergia alimentar é que o tratamento começa, após muito sofrimento da família, e a mãe passa a fazer uma dieta restritiva para não passar o elemento causador da alergia para o bebê.

Foto: Reprodução

Quando a criança cresce e vai para a creche, o sofrimento aumenta, uma vez que extrapola o aspecto da dieta e passa a atingir também o âmbito social. Pouquíssimas escolas oferecem cardápio diferenciado para quem tem alergia à proteína do leite de vaca (APLV), ao ovo, ao trigo, intolerância à lactose, por exemplo. As poucas exceções são para este último caso, que, geralmente, é confundido com a APLV.

Para deixar explicado, a lactose é o principal açúcar do leite, já a caseína é uma proteína que compõe o leite, são elementos diferentes. Quem é intolerante à lactose, possui uma deficiência da enzima lactase, que faz a digestão desse açúcar. Já quem tem APLV sofre com problemas imunológicos, conforme foi dito na palestra da Ana Carolina Sousa Santos.

Voltando à questão da alimentação escolar, quem é alérgico acaba ficando excluído, não pode comer a merenda, não pode contar com o que é vendido nas cantinas, não pode participar plenamente das festinhas de aniversário que as mães dos coleguinhas fazem. Como se essa exclusão não bastasse, ainda tem o bullying, que na infância e adolescência são extremamente traumatizantes.

Ouvindo os relatos das mães de crianças alérgicas, descobri que não só as crianças fazem bullying entre si, mas as próprias mães de crianças típicas fazem com as mães de alérgicos, classificando o problema como “frescura”, “doença de rico”, “mimimi”, entre outros termos pejorativos e que só mostram o quanto a sociedade está desinformada a respeito do assunto.

Foi triste ouvir as histórias dessas mulheres. Dava para perceber no tom de voz embargado, no olhar, o peso da dor que elas carregam. A Leda Alves, que é professora da língua portuguesa e inglesa, defensora da conscientização da alergia alimentar e mãe de alérgicos, por exemplo, contou que, certa vez, seu filho estava doente e precisou ser hospitalizado. Mesmo ela orientando o setor de nutrição da unidade sobre a alergia do menino, não houve o cuidado necessário e ele só piorava cada vez mais, ao ponto dela renunciar à internação e tratar seu filho em casa.

Leda e outras mães também contaram que costumam ouvir de atendentes em restaurantes e lanchonetes que elas são as “mães chatas” quando simplesmente pedem mais informações a respeito da comida. Sem opções nos espaços públicos, essas famílias acabam se isolando mais ainda e, para piorar, a vida social é piorada com a falta de empatia até mesmo de familiares e pessoas próximas, que deixam de visitar suas casas por conta da comida que é servida, já que, geralmente toda a família se adapta ao cardápio do filho, isso quando os pais também não são alérgicos.

 

Rótulo de um alimento industrializado Foto: Celly Alves Silva

Necessidades

Durante essa audiência pública, profissionais da saúde e mães afirmaram que o que eles precisam é de mais empatia das pessoas, o que só é possível com a conscientização da população a respeito das alergias alimentares; maior rede de apoio (atualmente essa rede existe por meio de grupos de WhatsApp composto por mães de crianças alérgicas); que os rótulos dos alimentos sejam mais claros e de linguagem acessível, o que já tem determinação da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).

As escolas e hospitais também precisam oferecer dieta específica para esse público; o acesso a adrenalina auto injetável para casos de emergência; centros de referência para atendimento dos pacientes e aprimoramento dos profissionais da saúde; gôndolas separadas nos supermercados para evitar contaminações entre os alimentos; que a distribuição gratuita (via SUS) de fórmulas para crianças de até 2 anos alérgicas seja colocada em prática.

 

Projeto de lei

Em Mato Grosso, um projeto de lei do deputado Dr. Eugênio (PSB) visa instituir o fornecimento de alimentação especial para alérgicos ou intolerantes a determinados alimentos (celíacos, intolerantes à lactose, diabéticos, autistas) nos estabelecimentos de ensino das redes pública e privada, desde a educação infantil até às universidades.

No projeto, as escolas teriam que ter essa preocupação até mesmo nas festas promovidas em suas dependências e também as cantinas que comercializam alimentos. Estas também estariam proibidas de vender alimentos alergênicos para aquelas crianças cujos pais informem que têm reação ou intolerância.

Deputado estadual Dr. Eugênio (PSB)

 

O que nós podemos fazer agora

Mas a gente sabe que projetos de lei demoram para tramitar e ser implementados. E mais: nós não precisamos de uma lei para tomar outras atitudes que também podem melhorar a situação. Vou deixar aqui algumas ideias do que podemos fazer desde já para integrar as pessoas alérgicas:

Somar ao invés de dividir

Mamães, vamos fazer amizade com as mães daquelas crianças alérgicas da escolinha dos nossos filhos ao invés de ficar chamando-as de “frescas” e “chatas”. Pense bem, ninguém quer ver o próprio filho doente, ninguém inventa doença nenhuma, até porque, no caso das alergias alimentares, essas pessoas gastam muito mais dinheiro com a dieta a que precisam se submeter. Acho que ninguém em sã consciência faria isso porque gosta, não é mesmo?

Que tal convidar essa mamãe para te ensinar a fazer o lanchinho que o filho dela pode comer e, numa próxima oportunidade, preparar alimentos adequados para a festinha de aniversário ou para quando seu filho receber a visita dessa criança alérgica?

Fomentar o mercado de alimentos voltados a esse público 

Se você não gosta de cozinhar, procure empresas que produzem alimentos sem glúten, sem lactose, sem leite, sem ovo. Pelo que pude perceber, a maioria dessas empresas são abertas por mães de crianças alérgicas que, diante da falta de opção, têm que se tornar empreendedoras para atender a própria demanda. Esses produtos costumam ser um pouco mais caso, sabemos. Mas, à medida que se popularizam, a tendência é dos preços também ficarem mais acessíveis.

Informe-se

Procure se informar sobre todo e qualquer assunto antes de agir de forma preconceituosa. Conviver com alguém alérgico é uma oportunidade para você aprender mais. Você gostaria que todo mundo sumisse da sua vida ou te tratasse mal se você descobrisse que tem uma doença? Então, coloque-se no lugar do outro.

Respeite a autoridade dos pais

Nunca! Jamais! Em hipótese alguma, ofereça alimento para uma criança sem antes pedir a autorização dos pais. Além de ser falta de educação, você não sabe se aquela criança é alérgica ou não. Mesmo que a criança não seja alérgica, às vezes, os pais dela não querem que ela consuma doces e frituras, por exemplo, para evitar maus hábitos alimentares. E todos devem respeitar isso.

Por fim, se o seu filho não tem nenhum problema relacionado à alimentação, como é o meu caso, vamos dar graças a Deus porque isso nos livra de uma série de transtornos, de trabalho, de sofrimento que você nem imagina. Eu fiquei muito impactada com tudo o que essas mães de crianças alérgicas contaram nesse evento. Uma delas tem dois filhos autistas e com alergias múltiplas. Eu só descobri a relação entre uma coisa e outra ao ouvi-la. Ela acrescentou que, no caso do filho autista não verbal, que não se comunica oralmente, a situação é muito mais sofrida porque ele não tem como contar se está sentindo dor, por exemplo. Eu fiquei muito tocada com tudo e, depois dessa experiência de escuta, passei a ser muito mais grata pela saúda da Laura.

Eu desejo que essas mães tenham muita força para seguir lutando por um mundo mais inclusivo para seus filhos e também que todos nós façamos a nossa parte nessa mesma empreitada. Vamos nos unir!