Heroínas dentro e fora de casa: conheça mães que estão na linha de frente no combate ao coronavírus

“Eu me sinto muito insegura, de verdade. Eu tenho muito medo de ficar doente, de acontecer algo comigo e que meus filhos fiquem sozinhos. Eu tenho pavor! Só de pensar eu fico em pânico! Quanto de adoecer e passar pra eles”.

“Nem coloco como desafio, mas como enfrentamento lidar todo dia com medo do desconhecido. Mas preciso lidar mais com o medo das pessoas à minha volta. Trabalho com Vigilância Epidemiológica, então, às vezes consigo enfrentar de outra forma. Porém, o medo de contrair e, principalmente, de transmitir para Clarice, visto que eu e Emílio trabalhamos em hospital”.

Estas frases são de duas profissionais da saúde que estão diariamente atuando em hospitais públicos de Cuiabá (MT), neste momento de pandemia de Covid-19. O que a médica Nina Saldanha, mãe de Lara, 6 anos, e Breno, 3 anos, e a enfermeira Rayssa Arantes, mãe de Clarice, 2 anos e 2 meses, têm em comum – o medo – é o sentimento que mais tem afetado a maternidade não só delas, mas de milhões de mães no mundo inteiro que, neste dia das mães, devem estar comemorando o simples fato de estarem e terem filhos saudáveis. Aquelas que estão na situação oposta, certamente, desejam apenas a vida para si e suas crias.

Ser mãe e estar na linha de frente no combate ao novo coronavírus (Sars-CoV-2) não tem sido nenhum pouco fácil para essas mulheres. Os profissionais da saúde, neste momento, não podem se afastar ou pedir férias, nem mesmo pedir demissão, caso não estejam com problemas de saúde que os impeçam de trabalhar. Para eles, não há quarentena. Com duas crianças em casa, Nina Saldanha investiu em materiais de papelaria para aproveitar todas as tardes e finais de semana que passa com os filhos. Antes de sair do trabalho, ela toma banho. Ao chegar em casa, toma banho novamente, coloca a roupa para lavar, almoça com os filhos, brinca, faz o dever de casa da filha maior, que ainda tem aulas pela internet.

“Antes eles estudavam a tarde e eu tinha tempo para descansar, ir à academia, atender no meu consultório. Agora não. São sete dias da semana exclusivamente com eles. A gente tem que ‘se virar nos 30’ para dar o máximo de atenção com eles […] Está sendo muito bom. O vínculo afetivo se renova, se reafirma, é muito gostoso, porém, também é muito cansativo, principalmente em relação às tarefas da escola”, afirma Nina.

Nina, com o marido e os filhos.

No caso de Rayssa, ela conta que percebeu mudança em sua rotina com a filha, que passou a dormir mais tarde, aparentemente para “suprir” a falta afetiva que sente da mãe. “Acho que dificultou eu estar mais presente no dia a dia pois, muitas das vezes, mesmo presente, estou ausente, preocupada com os coisas do hospital […]  Às vezes acho que ela sente que não estou bem porque dá mais trabalho”.

Em relação aos cuidados dentro de casa e com as crianças, as profissionais de saúde afirmam que reforçaram a limpeza de casa (piso, superfícies, maçanetas, controle remoto, etc) com água sanitária e álcool 70%, além de não deixarem as crianças sair de dentro de casa, nem mesmo para usar espaços de condomínio, como parquinhos e piscina. No caso de Nina, para proteger os filhos, ela decidiu que mesmo após a liberação da abertura das escolas pelo poder público, não enviará os filhos até o final do ano. “Eu não me sinto segura. O que eu puder fazer pra proteger eles, eu vou fazer. Eu acho que um ano de escola não é nada frente à saúde deles, à proteção deles”, defende.

Por serem transmissoras da Covid-19, mesmo que assintomáticas na maioria dos casos, as crianças não podem ter contato com os avós idosos, pelo fato destes serem do grupo de risco. Nina e Rayssa vivem experiências diferentes nesse quesito. Ela e o marido, que também é médico, não têm parentes em Mato Grosso e, por isso, o contato de Lara e Breno com os avós ocorre apenas por telefone ou pela internet. Mas a filha dela, por vezes, relata sentir saudade das professoras e dos coleguinhas de escola e pergunta: “Mamãe, quando o coronavírus vai embora pra gente poder passear?”.

Lara, 6 anos, e suas bonecas devidamente protegidas com máscara.

Já Clarice, filha de Rayssa, tem sofrido e chorado com saudade dos avós paternos. “Fomos na Páscoa levar um chocolate e ficamos de longe, no carro. Foi muito triste. Meus pais moram em outro estado, então, ela já acostumou. Mas com os avós paternos está difícil para eles e para ela”, lamenta. A enfermeira ainda relata que já passou por uma “situação muito chata” nesse período de pandemia. Pelo fato dela e do marido trabalharem em hospital, a filha deles sofreu preconceito. “Ficamos muito mal”.

Sentimentos frente à doença

Atendendo diariamente em pronto atendimento, Nina Saldanha revela que, neste período de pandemia, tem sofrido muito com ansiedade fora do normal, taquicardia e medo de contaminação. “Vou pro trabalho já ansiosa, nervosa, já fico taquicárdica, já começo a me sentir mal, com medo mesmo de acontecer alguma coisa. Não está sendo fácil”.

Até poucos dias ocupando cargo de chefia na Vigilância Epidemiológica de um hospital, responsável pela organização dos atendimentos, Rayssa se viu sobrecarregada, chegou a perder 4 quilos, e admite que, por vezes, o cansaço a dominou, levando-a a perder a paciência com a filha pequena. “Mas seguimos em frente”. Atualmente, ela tenta se manter mais calma. “É o que me resta”, diz Rayssa.

Rayssa e Clarice.

Ela e Nina convergem na opinião de que a situação nos casos da Covid-19, em Cuiabá e Mato Grosso, deve piorar com a retomada das atividades econômicas e educacionais, o que vai reduzir drasticamente o isolamento social, apontado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como a forma mais eficaz de evitar o contágio acelerado da doença.

Apesar de cumprirem a medida em relação à vida social, as duas profissionais têm pensamentos diversos em relação ao afastamento dos filhos. Nina afirma que, se contasse com algum parente na cidade, ela e o marido se isolariam até mesmo do casal de filhos, no intuito de protegê-los. “A gente atende pacientes com suspeita da doença e temos risco muito alto de se contaminar”. Por outro lado, a médica assume: “foi a escolha que fiz para minha vida, então, tenho que exercer minha função como profissional de saúde, tentar salvar vidas dentro do que está ao nosso alcance e nos proteger pra que a gente não pegue a doença”.

Rayssa, por sua vez, recebeu da mãe o convite para cuidar de Clarice na fazenda em que vive, no interior de Goiás, mas afirma que jamais conseguiria enfrentar tudo sem a filha. “Ela me fortalece todas as manhãs com o sorriso que ela me dá quando acorda. Estou seguindo meu coração. Eu não saberia lidar com tudo o que já tenho que aguentar no hospital e ainda chegar em casa e não ter ela. Sem contar que ela ainda mama”, explica.

A enfermeira avalia que lidar com uma doença com características ainda pouco conhecidas reforça nela a crença de que “precisamos viver o hoje como se não houvesse amanhã”. “Tento todos os dias, mesmo com tanta correria, demonstrar o meu amor à Clarice”.

#FiqueEmCasa

Mesmo em meio a toda essa turbulência, Nina Saldanha, que atende pediatria, a pedido do Minha Filha, Minha Mãe, aliou seu coração de mãe e sua mente de profissional para deixar algumas recomendações às pessoas, principalmente às mamães. Ela pede que evitem ao máximo sair de casa, a não ser em caso de real necessidade, deixando o que não for urgente para depois da pandemia. Além disso, não levar as crianças quando for sair e somente levá-las aos hospitais, policlínicas e unidades de pronto atendimento também em casos urgentes. “Muito adulto com suspeita nesses locais! Muito perigoso!”, alerta.

Para as mães que precisam trabalhar, a médica orienta reforçar as medidas preventivas como uso de máscara, prender os cabelos e lavá-los quando for tomar banho (se der, tomar banho antes de sair do trabalho e novamente quando chegar em casa), usar álcool em gel com frequência, limpar o piso com água sanitária sempre que voltar da rua e também higienizar todas as superfícies que são tocadas com frequência, como maçanetas, controle remoto, portas de armários várias vezes ao dia.

A médica reconhece que cada família tem sua realidade e que é preciso respeitar, mas, para quem tem condições, ela indica como medida mais importante para proteger as crianças o não retorno às aulas neste momento. “Eu acho que não é hora, a gente vive num momento muito instável, muito complicado em que não é seguro voltar pra escola agora. Muitas mães eu sei que trabalham e que precisam, não tem uma opção diferente. Para essas eu oriento a ter todos os cuidados que a gente já sabe”.

Saldanha destaca que as crianças não têm a mesma noção de cuidado dos adultos. “Criança é contato. Elas se pegam; se abraçam; se beijam; uma pega o copo da outra; cai no chão, pega do chão… Então, é muito arriscado. Não tem como delegar uma função tão importante de proteger a saúde num momento tão crítico pra uma criança pequena. Não tem condições! E não adianta dizer que a escola vai cuidar porque não vai. Eles vão tomar alguns cuidados, mas não tem como segurar várias crianças numa salinha e fazer com que todas não se toquem, não peguem as coisas do chão, é muito complicado”, ressalta.