Políticas públicas e conscientização da sociedade impactam nos indicadores do aleitamento materno no Brasil

Quanto maior o empenho dos governos, da sociedade civil e das entidades pró-aleitamento materno, melhores os índices de amamentação de um povo. É o que mostram estudos apresentados pelo nutricionista Cristiano Boccolini, doutor em Epidemiologia em Saúde Pública pela Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz), no 2º Encontro Mato-grossense de Aleitamento Materno – Emama, que ocorreu na semana passada.

Boccolini apresentou indicadores do aleitamento materno no Brasil, referentes aos anos de 1986, 1996, 2006 e 2013, que mostram uma evolução ao longo dos primeiros 20 anos e uma estagnação e até queda no quadro mais recente. Os pesquisadores esperavam que, mesmo com as diferenças metodológicas nos levantamentos, houvesse uma progressão na prevalência de aleitamento materno e aleitamento materno exclusivo até os seis meses de vida, mas foram contrariados pelos dados.

Cristiano Boccolini, pesquisador da Fiocruz. Foto: Divulgação

Um apontamento levantado por Cristiano Boccolini é que a geração millenials (pessoas que nasceram entre 1982 e 2004), que está se tornando mãe nesta última década, é muito conectada com a internet e, da mesma forma que vêm aumentando a busca por informações sobre a amamentação, também a indústria das fórmulas e compostos lácteos criaram seus canais diretos de comunicação com essas mães. É uma luta de Davi contra Golias, da indústria que lucra mais de 60 bilhões de dólares por ano contra a rede de apoio à amamentação, de acordo com o nutricionista.

“A gente conhece a praga da difusão do uso de complemento SOS oferecido nas maternidades e o quanto esses complementos são prejudiciais e pouco ou nada fundamentados em conhecimento científico, é até mesmo uma questão de ofertar leite especialmente de noite ou de madrugada por equipes que não têm compromisso de acompanhar aquela mulher puérpera no início do aleitamento”, afirma Boccolini a respeito da cultura do uso de fórmula que já começa na maternidade, pelos próprios profissionais de saúde.

Sobre o estudo nacional de nutrição infantil, o nutricionista mostrou que em 1986, apenas 3% dos bebês menores de seis meses recebiam aleitamento materno exclusivo. Em 2006, essa percentagem já era de 37% e, em 2013, caiu para 36%. Quanto ao aleitamento materno no primeiro ano de vida no Brasil, em 1986 era de 22,7%; em 1996 era de 37,5%; em 2006 era 47,2% e, em 2013, caiu para 45%.

Sobre o aleitamento materno no segundo ano de vida da criança, os dados apontam que 24% delas eram amamentadas em 1986; se manteve quase igual – 24,7% – em 1996; sofreu queda para 23,3% em 2006, mas em 2013, apresentou uma recuperação, ficando em 31%. “As mães persistem e acreditam que continuar amamentando essas crianças mesmo próximo dos dois anos de vida é uma coisa boa para suas crianças”, comenta Cristiano.

Quanto ao quadro geral de aleitamento materno, era de 37% em 1986; 44,8% em 1996, 56% em 2006 e 52% em 2013.

Para o pesquisador da Fiocruz, são entidades como a Rede Internacional de Ação sobre Alimentos para Bebês (IBFAN na sigla em inglês), o Instituto de Defesa do Direito do Consumidor (IDEC) e outras Organizações Não Governamentais (ONGs) as responsáveis por não deixarem “a peteca cair”, independentemente de governos e suas ideologias. “Mas, mesmo assim, a gente acende o sinal de alerta porque temos muito ainda a ser alcançado e a ser trabalhado”, diz Cristiano Boccolini.

Foto: iStok

Amamentação na primeira hora de vida

Durante sua apresentação no 2ºEncontro Mato-grossense de Aleitamento Materno, o nutricionista também mostrou resultados do estudo do projeto “Nascer Brasil”, feito com 22 mil mulheres sobre a amamentação na primeira hora de vida dos seus bebês. Segundo ele, 40% dos partos foram em hospitais credenciados ou em fase de credenciamento pela iniciativa hospital amigo da criança (IHAC), 52% das mulheres foram submetidas à cesárea e 56% amamentaram na primeira hora de vida.

Sobre a evolução da amamentação na primeira hora de vida, no Rio de Janeiro, a percentagem foi de 16% em 2001; 43% em 2006. Em 2008, o estudo se ampliou para as capitais do país e foi estimado em 67%, no mesmo ano que o tema amamentação na primeira hora de vida foi abordado na Semana Mundial de Aleitamento Materno. Em 2012, houve o registro de 56% de bebês amamentados na primeira hora de vida.

Mas os números não são aprofundados, adianta Boccolini. “Como essa prática foi conduzida e a forma como foi executada, se foi adequada ou não, a qualidade e a humanização desse processo não está sendo refletida nos números”.

Segundo ao doutor em Epidemiologia em Saúde Pública, quanto mais uso de tecnologias pró-aleitamento materno nas maternidades, menor a taxa de mortalidade neonatal, ou seja, no primeiro mês.

Também foi apresentada a taxa de aleitamento materno exclusivo durante a internação hospitalar, que é de 76% no país. Mas Cristiano Boccolini afirma que ainda dá para melhorar porque em hospitais amigos da criança essa taxa gira em torno de 85%.

Apesar dos avanços, é preciso seguir adiante

Conforme o pesquisador, todos esses dados reforçam a necessidade de intensificar as ações pró-aleitamento materno já implementadas e desenvolver novas formas de promoção, proteção e apoio, envolvendo os diversos setores da sociedade, no intuito de retomarmos o crescimento da prevalência e duração do aleitamento materno no Brasil. “Muito do suporte ao aleitamento a gente já desenvolveu, mas ainda dá pra avançar mais com a capacitação de profissionais como médicos, enfermeiros, fonoaudiólogos, e toda a sociedade”, assevera Boccolini.

Ele lembra que em 2016, a Organização das Nações Unidas (ONU) declarou o aleitamento materno como direito humano fundamental e destacou a importância de campanhas como o Agosto Dourado, época em que são percebidas melhoras nos índices de amamentação nas pesquisas, mas aponta que é preciso manter a agenda o ano inteiro para mobilizar a sociedade.  

Para assistir a apresentação de Cristiano Boccolini no 2º EMAMA, veja o vídeo a partir de 23 minutos: